Autoritarismo e abuso emocional e espiritual em igrejas evangélicas
7 de março de 2025 2025-03-07 16:12Autoritarismo e abuso emocional e espiritual em igrejas evangélicas
Sempre que leio ou escuto alguém relatar sobre abuso espiritual (e emocional) em igrejas meu coração fica dolorido – fico imaginando o coração de Deus, o dono da igreja.
As igrejas evangélicas têm experimentado um crescimento significativo no Brasil, trazendo consigo uma diversidade de práticas religiosas. Embora muitas proporcionem acolhimento e desenvolvimento espiritual saudável, há um aumento preocupante de dinâmicas autoritárias e práticas abusivas emocionais (e espirituais!) em algumas comunidades
O autoritarismo refere-se à imposição rígida e inflexível da liderança, marcada pela intolerância a opiniões divergentes e crítica; quando falamos em abuso emocional este envolve comportamentos que manipulam, depreciam ou controlam emocionalmente indivíduos, provocando sofrimento psicológico profundo.
O autoritarismo (e a arrogância de se pensar mais “instruído” ou mais “experimentado” que os outros irmãos) leva ao abuso inevitavelmente. Manipula-se a fé, os desejos do outro, a vida, as finanças, os bens, o casamento, os filhos e tudo o que tiver alcance de algum “líder” mal-intencionado que usa (e abusa) da sua “autoridade” para marcar fortemente o território do seu domínio.
Lideranças autoritárias frequentemente exploram sua autoridade espiritual para exercer controle excessivo. Isso pode se manifestar em práticas como exigência de obediência absoluta, intimidação, censura a discordâncias e isolamento social daqueles que questionam decisões ou doutrinas estabelecidas. Um exemplo bíblico frequentemente utilizado para justificar essa dinâmica, embora distorcido é encontrado em Hebreus 13:17, que fala sobre submissão às autoridades espirituais.
A interpretação adequada desse texto bíblico é fundamental para desconstruir práticas autoritárias e abusivas que têm ocorrido em alguns contextos religiosos.
O versículo de Hebreus 13:17 diz:
“Obedecei aos vossos guias e sede submissos para com eles; pois velam por vossa alma, como quem deve prestar contas; para que façam isto com alegria e não gemendo, porque isto não aproveita a vós outros.”
Na língua original (grego), há três palavras (expressões) que são chave para nosso entendimento do texto:
Obedecei (grego: πείθεσθε, peithesthe). A utilização desta palavra refere-se a uma atitude de confiança voluntária, persuasão e cooperação, não de submissão cega ou imposição autoritária. Indica confiança construída através de uma liderança respeitosa e amorosa.
Sede submissos (grego: ὑπείκετε, hypeikete). Esta expressão sugere um espírito cooperativo e aberto à orientação, indicando uma postura de respeito e humildade diante daqueles que genuinamente buscam o bem-estar espiritual da comunidade.
Velam (grego: ἀγρυπνοῦσιν, agrypnousin). Velar indica uma vigilância cuidadosa, responsável e diligente, que visa proteger e não dominar ou controlar abusivamente os membros da comunidade.
Essa análise destaca claramente que Hebreus 13:17 não legitima práticas de domínio autoritário ou abuso emocional. Pelo contrário, o texto enfatiza uma liderança baseada na confiança mútua, respeito e cuidado pastoral genuíno. Líderes são responsabilizados por seu comportamento diante de Deus (“como quem deve prestar contas“), devendo agir de maneira que inspire confiança, segurança emocional e espiritual.
A interpretação correta deste texto desafia e desconstrói modelos autoritários, incentivando comunidades religiosas saudáveis, acolhedoras e emocionalmente seguras, onde o abuso emocional não tem espaço.
No entanto, há um componente psicológico significativo nessa questão do abuso emocional. Precisamos compreender, ainda que inicialmente, por que o abuso ocorre dentro das igrejas – espaços que deveriam proporcionar acolhimento e proteção emocional. Tal abuso frequentemente se oculta atrás de uma aparente “espiritualidade forte“, caracterizada por conceitos equivocados de domínio e controle. Discursos religiosos podem mascarar esses abusos, responsabilizando as vítimas por suposta falta de fé ou submissão inadequada. Efésios 4:29 nos adverte contra o uso destrutivo das palavras, enfatizando que devem ser usadas para edificação e não para destruição emocional.
Há também aspectos culturais que valorizam hierarquia rígida e submissão irrestrita e que são fundamentais para a perpetuação desses abusos. O medo de represálias espirituais ou sociais gera o silenciamento das vítimas e uma naturalização perversa do abuso, frequentemente legitimada por interpretações distorcidas de textos bíblicos.
Uma abordagem teológica saudável e equilibrada é essencial na prevenção do autoritarismo e do abuso emocional, uma Teologia Pastoral baseada no amor, serviço e empatia, fundamentada nos ensinamentos e práticas de Jesus.
Um exemplo claro disso está no texto Mateus 20:25-28, em que Jesus afirma que os líderes não devem agir como dominadores, mas como servos. Em termos práticos, uma igreja que promove grupos de apoio emocional liderados por pastores capacitados bíblica, teológica e psicologicamente, que acolhem, ouvem e oferecem orientação espiritual sem coerção ou julgamento, estaria exercendo exatamente essa abordagem teológica saudável. Líderes religiosos devem receber formação pastoral e psicológica adequada, capacitando-os a uma liderança empática, respeitosa e baseada no amor. O ensinamento de Jesus em Mateus 20:25-28 enfatiza que liderança é serviço, não dominação.
Leia esta história e pense um pouco:
Na terra fértil de Jezreel vivia um homem honesto e trabalhador chamado Nabote, cujo orgulho era cuidar da vinha que herdara de seus ancestrais. Para Nabote, essa vinha não era apenas terra e videiras; era sua história, seu legado, uma herança sagrada que não poderia ser negociada ou vendida.
Próximo à vinha de Nabote estava o suntuoso palácio do rei Acabe, monarca de Israel, cujo olhar cobiçoso recaiu sobre as terras frutíferas daquele homem simples. O rei desejava ardentemente possuir a vinha para transformá-la em um jardim real. Acabe ofereceu dinheiro, terras e promessas, mas Nabote, firme e íntegro, recusou a proposta. “Como poderia eu vender o legado de meus pais?”, disse com convicção.
Frustrado e amargurado, Acabe voltou ao palácio. Jezabel, sua esposa astuta e implacável, ao perceber a tristeza do rei, decidiu tomar a situação em suas próprias mãos. Tramando friamente, ela articulou um plano cruel, falso e devastador contra Nabote. Cartas mentirosas foram escritas, falsas testemunhas contratadas e acusações inventadas contra o inocente homem da vinha. Nabote foi acusado injustamente de blasfêmia e traição, crimes graves que ele nunca cometeu.
A consequência foi imediata e violenta: Nabote foi condenado e morto apedrejado, vítima inocente do egoísmo e abuso de poder. O sangue de Nabote manchou a terra que ele tanto amava.
Mas Deus, cuja justiça ultrapassa os limites humanos, não ficou indiferente. Observando atentamente, Ele enviou Elias, profeta destemido e voz firme da justiça divina. Elias confrontou Acabe e Jezabel com palavras contundentes de condenação, anunciando um juízo severo pelo abuso e pela injustiça cometidos (1 Reis 21:1-29).
Através dessa trágica história, fica claro que Deus não fecha os olhos à injustiça, nem ignora o sofrimento das vítimas. Ele se posiciona firmemente ao lado daqueles que são injustamente oprimidos e contra todo tipo de abuso, deixando claro que a justiça divina prevalecerá sempre sobre a ganância e a crueldade humanas.
Pr. Gedeon Lidório
Instagram: @gedeonlidorio
E-mail: gedeon@lidorio.com.br
Site: www.gedeon.lidorio.com.br
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